A Colmeia

“As raizes…memorias de infância…1.º seténio…”

Quando, eu, Rita,  era criança, bem pequena, a minha família que vivia em Lisboa, mas com origens no norte do país, Minho e Douro, decidiu comprar um pequeno terreno na Lagoa de Albufeira. Lugar tão belo e especial, para onde já vínhamos acampar, no calor de agosto, desde que tinha eu, um ano de idade. O cheiro intenso do ondular dos pinheiros, a sua resina generosa, o pôr-do-sol na praia do oceano, o cinema ao ar livre coroado por um deslumbrante céu estrelado, os pregões dos feirantes, tudo povoou e povoa o meu imaginário infantil…íamos para a praia e a avó Glória ficava a preparar os assados no forno… feito pelo avô Manel, que seriam comidos na mesa por ele feita, ao lado da casa e dos muros também por ele feitos… entre família e amigos, em momentos de muita alegria e confraternização. A partir do momento em que o carro virava, na rotunda do Marco do Grilo, para a estrada que vai até à Lagoa, um sorriso rasgava-se no meu rosto e lá ficava até que voltávamos para Lisboa…

 

Primeiros brotos…o aconchego do segundo seténio.

Desses momentos de infância ficou-me gravada profundamente a ideia de que tudo pode ser feito e construído pelo ser humano, basta que para isso haja vontade!

Mesmo ao lado da Lagoa estava Sesimbra…onde a praia era mais ordenada, mais povoada, e parecia enorme naquela altura…era a terra dos pescadores…

Aí, ficaram as memórias, sempre a aconchegar a alma e o coração… ficaram bem intensas e gravadas, em descanso à espera do momento de regresso…

O tronco engrossa…o pulsar da adolescencia…3.º seténio…

No final do secundário, na angústia da decisão de qual rumo seguir, de qual curso escolher, tudo se fez claro na firmeza de um pôr-do-sol na praia do Oceano, a praia da Lagoa, entre o céu de verão e o mar firme e remexido o sol, mostrava que só o caminho da ousadia e da confiança era possível…muitas viagens, tarefas, retos, descobertas se seguiram…

O florir…entrada no 4 seténio…

O tempo passou e a vida foi-se compondo de outras paragens, muitas felizmente! Já a inquietude da procura continuou sempre presente, em 2004 surgiu um grande amor, o Miguel, e com ele comecei um caminho partilhado, sempre de muitas descobertas e também inquietudes…desse amor nasceram 4 lindos rapazes, tão diferentes e tão especiais, como o são todos os seres humanos. 

Com o nascimento do primeiro, Gaspar, em 2006, veio a procura de outro tipo de escola, outro tipo de espaço…em 2009 ingressou, na que é hoje a Escola Casa da Floresta, em Lisboa. A Pedagogia Waldorf, foi a resposta a essa inquietude por outra educação e a Antroposofia a resposta às minhas, nossas, perguntas e o forte desejo de contribuir para a edificação de uma Humanidade renovada e fraterna. 

O fruto surge… o quinto seténio…

Depois de concluir o curso de Pedagogia Waldorf e já trabalhando e pertencendo à Direção da Escola Casa da Floresta comecei a dar aulas, ao primeiro grupo da Floresta que seguiu a Pedagogia Waldorf desde o jardim à 7ª classe….

Já com três filhotes, em 2006 decidimos deixar de viver em Lisboa, procurar um espaço onde a agricultura, e a vivência plena da natureza fossem uma possibilidade para a nossa família…surgiu a Quinta do Semanito, projeto de uma outra família, agora já bem velhota e à procura de um outro sossego. 

Quando decidimos deixar de viver na cidade foram muitos os lugares, espaços, casas, quintas que visitámos, mas o Semanito tinha algo especial que na altura apenas intuíamos…afinal, estar ali ao lado da Lagoa, que sempre foi a nossa casa, estar e viver em Sesimbra era voltar ao porto seguro da infância.

A Quinta do Semanito pareceu-nos enorme para quem sempre tinha vivido em casas pequenas. Muitos projetos, muitas vontades surgiram em nós, rapidamente, percebemos que a agricultura, a vivência da terra, do cuidar diário era bem intensa, uma descoberta permanente…as viagens diárias para Lisboa começaram a ser cada vez mais pesadas, a vontade enorme de ficar pelo solo “pexito” era cada vez mais maior…depois de muitas voltas e ideias enraíza a sugestão da criação de uma escola…Waldorf claro!…havia por ali um velho armazém agrícola…havia também a vontade e a conexão com a Antroposofia…

 

O fruto amadurece… sexto seténio

Sabendo deste nosso propósito, em outubro de 2018, tivemos a enorme honra de receber a Luiza Lameirão na Apis, juntando a comunidade para que pudéssemos criar o cálice necessário para a ideia se materializar… a Colmeia começou a ganhar forma, no mundo espiritual e no terreno…deixámos os projetos pessoais de rentabilização da quinta de lado, a reconstrução da casa, vendemos o terreno da Lagoa de Albufeira (que ainda tínhamos) e uma casa em Lisboa e avançámos para a construção da escola, cedemos como família três quartos da Quinta do Semanito e todo o nosso amor e dedicação…

Depois de várias reuniões com a CMS ultrapassámos o dragão da burocracia e a Apis pode começar a encarnar, a demolição do velho armazém agrícola deu-se em dezembro de 2019 e a 6 de janeiro de 2020, no dia anterior ao nascimento do nosso quarto filho, o Noé, (nascido no Semanito), começaram as obras de edificação da nossa linda escola…

 

A semente…o sexto seténio

No meio da construção dá-se a pandemia, foram vários os que sugeriram que adiássemos tudo, que parássemos as obras, o futuro era incerto… contudo sentimos no nosso coração que a Colmeia tinha de ser terminada e que estaríamos prontos para receber o primeiro enxame de lindas abelhas, mesmo no meio de tanta turbulência…Acreditamos que só a Luz domina a escuridão…

Abrimos nos primeiros dias de setembro de 2020, jardim de infância e 1º ciclo com o carinho e apoio da irmã mais velha, Casa da Floresta, as duas equipas da escola trabalham juntas desde então…e as viagens a Lisboa não terminaram apenas são mais espaçadas no tempo.

 

Na Apis temos atualmente uma sala de jardim de infância com cerca de 20 abelhinhas… o grupo de 1º ciclo e já de mais de 20 crianças, e o 5º ano começará no próximo ano letivo, 2023/2024, com os meninos que foram os pioneiros, as abelhas colonizadoras… as famílias que connosco caminham e sustentam este sonho são de vários países e de vários continentes, tem sido um caminho bem sereno e caloroso. A todas elas estamos muito gratos.

Na equipa somos atualmente três jardineiras, duas professoras de classe, com professores de Inglês, Música, Movimento e Espanhol, uma cozinheira, e o Miguel, homem dos mil instrumentos e artes, que nos ajuda entre voos e tarefas…

O futuro…a doação sempre se multiplica

 

Esta linda colmeia, como todas as colmeias tem vindo a fortalecer-se e está pronta para enxamear e outra colmeia criar, e mais outras se assim estiver destinado, pois o sonho é possibilitar que todas as crianças e famílias possam viver o currículo Waldorf até ao 12º ano…

Queremos também criar projetos de apoio terapêutico e de estudo a crianças e jovens desfavorecidos do Concelho de Sesimbra, bem como continuar a produzir de forma ainda mais harmoniosa mais produtos na nossa Quinta. 

Entretanto para além da escola também a quinta tem ficado cada vez mais florida, as hortas são cuidadas pela equipa da escola, com todas as crianças, seguindo o mais possível os princípios da Agricultura Biodinâmica… já muitas foram as sementeiras e as colheitas, esperamos continuar a ser sempre merecedores da abundância e generosidade da Mãe Terra. 

Somos especialmente abençoados pela nossa escola se situar numa quinta, num ambiente rural, mas bem perto das lindas praias e falésias da Serra da Arrábida! 

Profunda gratidão a todos os que connosco caminharam ou caminham! Que os nossos atos sejam sempre por um Bem Maior.

Rita, Miguel, Gaspar, Lucas, Matias e Noé

Quinta do Semanito